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A CHACINA SOBRE CHARLIE HEBDO NO CONTEXTO DA CRISE EUROPEIA – 5. MARCHA REPUBLICANA: A MANIF PARA TODOS. EU DESFILEI COM OS MEUS ADVERSÁRIOS – por PASCAL BORIES

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Selecção e tradução por Júlio Marques Mota

A chacina sobre Charlie Hebdo no contexto da crise europeia.

5. Marcha  republicana  : a manif para todos

Eu desfilei com os meus adversários

Pascal Bories, Marche republicaine manif pour tous, J’ai défilé avec mes adversaires

Revista Le Causeur, 12 de Janeiro de 2015

marche-republicaine-manif-pour-tous

Photo: Constance Decorde/SIPA/1501112049

Evidentemente, era um pouco não importa o quê.  Como a maior parte das pessoas sensatas que conheço, eu não queria ser trouxa, não me iriam fazer mal, a mim.  Era muito grande,  “ a marcha republicana”, com o seu logotipo “a França é Charlie”, como se todo o país fosse assinante do jornal relativamente obsceno  de Charb e Cabu. Como se eu apenas tivesse podido ser amigo com Tignous, de quem nunca sequer ouvi falar. E no entanto, fui  à manifestação.

De  manhã, a minha sogra tinha-me dito  ao telefone: “O problema, é que vamos andar acompanhados de cons.  ” Não sabendo – e não tendo necessariamente que saber  – de que  “cons”  se falava,  tinha-lhe respondido: “Precisamente, é essa a ideia, tanto quanto marchamos ao lado  de  pessoas com quem não se está  de forma alguma de acordo,  não estamos mortos. ” Tinha concordado comigo. Seguidamente tinha-a tranquilizado porque se mantinha preocupada, mesmo assim.

Era evidente que muitas pessoas defenderiam neste dia uma “liberdade de expressão” que eles próprios combatiam ao longo de todo o ano, falando de   “islamofobia”. Que os campeões do arrependimento e da desculpa  universal  se transformariam  durante uma hora em patriotas chauvinistas. Que os mesmos  que gritavam anteontem “um chui, uma bala” viessem aplaudir esta tarde os nossos guardas  e polícias. E daí? Era exactamente esta a  razão que tinha  encontrado   para não desfilar.

Eu tinha visto bem: sobre a avenida Richard Lenoir, onde me cruzei com Clémentine Autain que alcançava Jean-Luc Mélenchon, havia alguns  painéis tão deslocados quanto  isolados que apelavam “à dissolução dos palhaços da FN”, “à solidariedade com Gaza” ou à  luta  contra “os fascismos nacionalistas”. Está-se a França, em 2015, e 17 mortes sob as balas de terroristas islamitas não são suficientes ainda para levar a que toda a gente tenha juízo.

Mas eram apenas um punhado deles, alguns por aqui outros por ali, a não jogarem o jogo dos bons sentimentos. Nomeadamente: aceitar-se estarmos juntos, não necessariamente pelas mesmas razões, mas tentando deixar no vestiário tudo aquilo que nos opõe uns aos outros. Finalmente, a imensa maioria entre nós tinha vindo assegurar um serviço mínimo: “nós estamos unidos”, “conjunto”, “contra o terrorismo”… Um por  todos, todos por um.

Todos os eu “sou” não faziam senão um: “Charlie”, “judeu”, “polícia”… A marcha  republicana de  11 de Janeiro de 2015 não era a milésimo manifestação para os direitos de uns e dos outros. Na verdade,  era a primeira  manifestação para todos,  Deus sabe quanta  energia gastei  para me  opor “ao casamento para todos”, que  guerra eu efectuei  a esse respeito sobre o terreno das ideias. Eis pois porque é que,  este Domingo, eu gostei mais do que tudo fazer aquele caminho com os que me designavam  como o seu adversário.

Sobre estas avenidas cheias de gente,  quantas pessoas   não me tinham  caricaturado, insultado, estigmatizado? Quantos se teriam gozado acerca dos meus  valores, das  minhas ideias, vomitado tudo o que eu representaria aos seus  olhos? Um ano inteiro, tínhamo-nos enfrentado em redor do projecto da Lei i Taubira, e das suas consequências de que eu  sabia que seriam trágicas. Hoje, estavam  ali,  sorriam para mim e desculpavam-se quando nos empurrávamos uns aos outros.  Podia-se viver em conjunto  e respeitarmo-nos,  o essencial estava  salvo.

A partir do fim de tarde, todas as cadeias de televisão difundiam uma superprodução inédita: magníficas imagens aéreas de multidões, aglutinadas em qualquer ruazinha de  França. Na Bastilha,  bandeiras tricolores flutuavam num céu em rosa ar enquanto que ressoava a Marselhesa. Praça Nation, exclamava-se-se em uníssono : “Viva a França! ” Havia um mundo louco, por toda a parte, e um coração agarrado  à coluna de Julho. A multidão aplaudia-se, falava-se  entre desconhecidos.

Então é certo, este quadro idílico era apenas verniz. Este Domingo, todos diziam “eu  sou  Charlie” mas ninguém não ia na mesma direcção. Não importa:  é bem  a França, a sua divisa, a sua bandeira e o seu hino nacional que eram celebrados em todo o país. E isto,  nada nem ninguém no-lo levará, se me é permitido dizê-lo  aos últimos dinossauros da incitação  ao ódio. Nós somos diferentes, nós  não estamos de acordo, nós somos  Franceses.

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Ver o original em:

http://www.causeur.fr/marche-republicaine-charlie-hebdo-manif-pour-tous-31031.html

 


Filed under: Filosofia, Política Tagged: charlie hebdo, debate de ideias, júlio marques mota, manifestação, pascal bories, revista causeur.fr

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